Ditadura militar e televisão: duas forças unidas contra a liberdade de expressão brasileira

     Extinção de todos os partidos políticos, cassação de centenas de cargos democráticos, prisão de jornalistas, extradição de intelectuais e arquivamento de documentos que comprovavam crimes contra a soberania do povo. Tudo isso empurrado goela à baixo de uma nação com aproximadamente 70 milhões de pessoas, onde quem não se adaptava e reclamava, podia ser preso, torturado e morto. Ainda assim, quem fosse contra esse cenário obscuro e desprovido de liberdade, poderia também desaparecer, sumir na história, virar apenas um nome na memória popular ou uma dor incessante na lembrança de uma família. Fico a me perguntar, será que esse sistema doentio conseguiria atravessar duas décadas sem o apoio de outras forças? 

     
     A ditadura militar no Brasil se iniciou em 1964 e durante seus 21 anos de duração (até 1985), teve apoio de grandes veículos de comunicação, como por exemplo, a Rede Globo. Sim, a mesma que na época de réveillon canta “(...) hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier (...)”. Analisando a programação do veículo durante o período de ditadura, parecia que tudo era uma festa mesmo. Para que se preocupar com alguma coisa? Enquanto pessoas eram presas e torturadas por exercerem seu direito de libertar a expressão contra uma ideia, que na época era imposta por generais, a “telinha” era recheada de seriados norte-americanos fúteis e distantes do folclore brasileiro; disseminava notícias incompletas sobre as manifestações nas ruas e todo tipo de conteúdo cultural transmitido era aprovado por um sistema de censura. Que critérios eram esses da censura? O povo aceitava, assim - por medo ou por alienação? 

     1964, a Guerra Fria estava em curso havia quase vinte anos e o mundo se dividia entre comunistas russos e imperialistas norte-americanos. Não por coincidência, os dois maiores colecionadores de bombas atômicas do mundo. #Medo. Cada um dos oponentes, com suas obsessões, se expandiam pelo mundo em busca de forças políticas. Aqui na América Latina, quem ganhou a maior parte do bolo foi os Estados Unidos. À partir de golpes de estado, eles já haviam entrado em El Salvador, Guatemala, República Dominicana e Equador. Brasil e Argentina estavam na fila e a fila não demorou a andar. João Goular, o “Jango”, com suas promessas de terras em benefício do povo e as chamadas reformas de base, logo se tornou motivo de interferência para quem pensava em tomar o poder no Brasil - militares da casa e os EUA. Em 64, Jango foi deposto sob ordem armada e se exilou no Uruguai. Enquanto isso, a dinastia dos quatro generais que iriam manter a mordaça na boca do povo por um bom tempo, começava a por em prática os Atos Institucionais (AI). 


     A Globo entra nessa história quando em 62 assina um acordo com a norte-americana Time-Life. A ideia era captar equipamentos necessários na implantação de uma rede de televisão de alto nível para a época. A cifra do negócio era alta, 5 milhões de dólares - que seriam pagos em participações nos lucros. O ato de associação de capital estrangeiro em um espaço estatal era contra a constituição brasileira. Isso gerou barulho e uma CPI foi criada para julgar o caso. Resultado? Humberto Castelo Branco, o primeiro ditador dos anos de chumbo, deu um jeitinho em 67. Simplesmente mudou a constituição. Estava tudo certo: legitimamos o negócio, agora contribuam com o regime e a censura - é o que passa pela minha cabeça. Foi o que aconteceu durante boa parte desse período. Tanto, que após 26 anos do fim da ditadura, a Comissão da Verdade se serve de poucos arquivos para achar provas dos crimes cometidos na época. Enquanto tantos sofriam por lutar pela liberdade e outros queimavam provas e sumiam com testemunhas, quanto tempo de gravação e transmissão foi desperdiçado com comunicação enlatada e apatia popular? Tudo isso dentro de uma caixa de imagens de grande potencial de disseminação de ideias que chegou a atingir 80 pontos de audiência por um romance de novela (Irmãos Coragem, 71).

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